Salomão Rovedo
Sentimental Demais
(poesia)
Rio de Janeiro 2002
LIVRO 1
SENTIMENTAL DEMAIS
LIVRO 2
ETERNO DEUS
LIVRO 3
POEMAS PRA MÃE MIZIKA
LIVRO 1 SENTIMENTAL DEMAIS
OUTONO, INVERNO
"Perecem os teus gestos e semblantes
entre os que perderei e o que perdi."
Abgar Renault, Caminhos do esquecimento
Outono: a brisa itinerante rola mundo,
rasga os ares e traz o cabelo crespo dela,
transporta o perfume do óleo, o cheiro
mescla amêndoa e frescor de epiderme.
O Outono este ano vai chegar mais cedo.
Sabe? Nunca fui a Miami. Lá as mulheres
escondem em espessa maquiagem rios azuis:
deletam rugas insondáveis, sinais, varizes.
Prepara o corpo para a língua (penso sim,
ainda penso muito nisso e naquilo outro.)
Vem Outono pessimista, deseduca a alma,
com a perspectiva contemporânea do nu.
Estou sem sono – me chamou – vem comigo!
Ela pegou meus braços enlaçando-os ao corpo,
Cordame cingindo-a, serpente, igual sucuri.
Deitei morto, fogo mergulhado nos cabelos.
Grudados, impossíveis. Muito ficou de fora:
o trompete de Winton Marsalis cifrando onda,
o mar de espuma que agita a areia da praia,
(talvez por isso a ausência dela traga medo).
A idade do vento, lerda, pranteia as palmeiras.
É o sentimento do Outono que se vai sem temor.
Amanhã será outro a morder a nuca? Tremo...
Conseguirão meus dedos irritar-lhe os mamilos?
Inverno, corpo, solo sagrado,
a derme um campo vivente,
cada nervo lateja de vida,
de cada poro – sedimento, pó –
mina sementes: amor, coração, alma.
O sol equatoriano se esgueira no horizonte. Vejo
transformar as trevas do quarto em lusco-fusco,
lanhando todo o corpo dela em traços de agonia.
O lençol é o deserto. Amanhã não serei eu o outro.
O Inverno este ano vai chegar tarde, amor?
Mas o corpo dela terá memória bem ...
|
|
|
|
|
|